25 de janeiro de 2014

51 - O passado te condena

 Ivan Siqueira)

“O passado te condena” é o nome de um filme que eu assisti na minha adolescência. Lembro pouco do filme, mas o nome é forte, ficou na minha memória. Isso é a Argentina!
Pense num garoto que precisa de dinheiro, e que convenceu a irmã a emprestar a ele o dinheiro que ela não tinha, ou não podia emprestar, mas o garoto é gente boa e a irmã acabou por emprestar a grana, mas na condição de que ele pagasse logo. O garoto se livrou do problema financeiro que tinha, mas nunca pagou a dívida, e vive tentando convencer a irmã de que ela bem que poderia aceitar menos pela dívida, mas a irmã não aceita! Isso é a Argentina!

Em meados de 1979 ingressei em uma nova empresa, fui trabalhar em uma empresa que, por acaso, tinha um grande endividamento em dólares. Como todos sabem, as empresas se endividam buscando o efeito da alavancagem financeira, ou seja, tomar dinheiro a um custo barato da dívida de modo a dar ao capital do acionista uma rentabilidade maior do que a que existiria se ele próprio colocasse aquele montante de dinheiro da dívida com seus próprios recursos. Em linguagem figurada, a empresa rende 18% ao ano, a dívida custa 12% ao ano, e o acionista ganha 25% ao ano, se ele colocasse a grana toda do bolso dele, só ganharia 18% ao ano que é quanto aquele negócio rende. Ele ganha a diferença, mas alavancada, porque usou dinheiro emprestado! Bem, se é tão fácil assim, por que todos não fazem o mesmo? Por causa do risco operacional, se os negócios não vão bem a empresa quebra! Está cheio de casos aí!
Eu mal havia entendido a nova empresa onde eu estava trabalhando, e a política cambial  pratica em dezembro uma maxi desvalorização do cruzeiro  de 30%. O que significa isso? Significa que os capitais que entrariam no país receberiam um “ganho” de 30%, assim, no ato! Os exportadores e os investidores estrangeiros todos sorrindo, o país precisa de dólares e vai obte-los assim, um ganho que veio do céu! Mas todo mundo que tem uma dívida em dólar está 30% mais pobre depois da desvalorização da moeda local, ou seja, está devendo 30% a mais! E eu, como economista daquela  empresa, já endividada quando eu entrei, com essa batata quente na mão! A sorte é que todo mundo tem duas mãos!

Em Economia tem aquilo que todos sabem e aquilo que poucos sabem, porque  essa é uma ciência intrincada, cheia de detalhes. O que poucos sabem é que uma desvalorização da moeda local pede novas desvalorizações, em síntese, uma midi ou maxi desvalorização , pede, exige, novas desvalorizações na sequencia, porque é isso o que vai permitir estabilizar os efeitos da desvalorização inicial. Qual a condição para que esse processo perverso não seja deflagrado? É ter permitido apenas mini-desvalorizações progressivas. Mas quem “ter permitido”? O mercado, que é quem manda em tudo, mas se inventaram banco central, é ele o responsável por não deixar o mercado fazer o que der na telha! Mas, todo  banco central é ingênuo, ele pensa que funciona como um segundo mercado que atua sobre o primeiro, mas isso não existe, ele apenas reforça as tendências do mercado, ou seja, se há escassez de dólares  o câmbio sobe, se há excesso o câmbio cai, ou, o que significa a mesma coisa, se o câmbio vai subir o mercado entra vendendo, se o cambio vai cair, o mercado entra comprando. Assim, o banco central é sempre um mal, porque ele funciona como um reforço do que está “errado”, mas aos olhos de todos ele parece ser o que “alivia” o erro!  Mas, alguém há de dizer que o mercado nunca erra, que o mercado é perfeito, mas cumpre avisar: os mercados são sempre imperfeitos, desde Chamberlain, Robinson. Eu os li na década de 80. Ainda não leu? Procure ler.
Na Argentina a marca é a do calote, fizeram o calote e nunca desfizeram, quem vai desejar comprar um título do governo Argentino, se no futuro o governo vai propor pagar apenas 70% do valor do título, que é o que ele fez, lembra do garoto e a sua irmã? Assim, a marca desse governo “peronista”, que era uma péssima marca econômica, passou a ser a feição política, o rosto do governo, o que dizem da presidente Kirchner é que ela mente o tempo todo, na verdade quem mente é a economia! E o que é uma economia que mente? É uma economia que diz de si uma coisa, que pretende ser, mas, que ela não é! E , se não é, vai precisar de calote, de desvalorizar a moeda nacional, e, ainda assim, vai ver suas reservas cambiais decrescendo, porque entrou no ciclone - não tem PIB suficiente - não exporta o que precisava exportar -  mas tem compromissos externos a pagar - o investidor externo não bota dinheiro porque tem medo do calote –  a população não empresta dinheiro ao governo, porque  se emprestar vai receber 70% do que emprestou - a demanda se retrai e a inflação vem com tudo - as reservas internacionais vão minguando, etc.  E aí, num último suspiro, fazem o que o mundo inteiro está fazendo, desvalorizando suas moedas locais, como se fosse uma gincana pra ver quem desvaloriza mais, mas no efeito global, na média, as desvalorizações se anulam, é como dois meninos vendendo estilingue por R$5,00 e cada um desvaloriza seu preço para R$3,00, ninguém vai vender mais do que o outro!  E ainda tem um erro fenomenal , não digam que essa  é uma crise da Argentina de 2014, a crise é uma herança deixa pelo marido, que jogou para o futuro o que era insustentável no passado, mas como péssimo marido não avisou a esposa, que herança maldita! Sim, tal como o garoto e a sua irmã, o garoto se livrou do problema pegando o dinheiro emprestado, a irmã ganhou o “pepino” de presente! Em economia não tem mágica, errou, espere o futuro! Mas, a sorte dos economistas é que a economia Argentina não é mais um assunto para economistas, é para psicanalistas! Haja divã!

E nós aqui? Nós somos uma Argentina amanhã!  Os erros em economia tem polaridades. Você usa sua geladeira no máximo nível de refrigeração? Você estoca gasolina no seu quintal? Você usa seu ar refrigerado no nível mais alto do frio?  Você coloca todo o seu salário na poupança? Mas,  a Dilma tem reservas internacionais de cerca de US$370 bilhões, saindo pelo ladrão, como se fala de nossa caixa d’água, o que é um erro para a política monetária, mas o que fazer alternativamente com as reservas internacionais, isso tem uso, existe um nível ótimo de reservas internacionais? Assunto para um próximo post, antes que o tango contagie o nosso samba!
Ivan Siqueira

Nenhum comentário: